ESG como estratégia para logística e gestão da cadeia de suprimentos
O mundo passou por diversas transformações nos últimos meses e estas mudanças influenciaram diretamente o comportamento das pessoas (no sentido humano, como profissionais e como consumidores). Esta influência impulsionou ainda mais a necessidade das empresas terem mais atenção ao Meio Ambiente, Sociedade e Governança (ASG, ou em inglês, ESG).
O interesse e a busca pelo entendimento e aplicação pelas práticas de sustentabilidade empresarial crescerem no Brasil e no mundo. Um conceito antigo de sustentabilidade, mas que recentemente despertou o interesse de pessoas e organizações. A busca pelas três letras que estão mudando o mundo dos negócios cresceu 150% em pesquisas feitas no Google, segundo o Google Trends. O Brasil foi o país que mais pesquisou o tema na América Latina e ficou entre os 25 países do planeta nos últimos meses. O ESG também virou ponto de decisão para critérios de investimentos, captação de empréstimos e análises de riscos, o que também impulsionou o interesse pelo tema.
Mas o que significa ESG?
A origem do termo vem do acrônico em inglês:
E – Environmental = Ambiental: refere-se as práticas voltadas ao meio ambiente. Temas como aquecimento global, emissão de gases poluentes, poluição do ar e da água, desmatamento, reflorestamento, gestão e descarte de resíduos, eficiência energética e biodiversidade são relevantes neste quesito.
Preservar o planeta e proteger os recursos naturais.
S – Social = Social: refere-se ao impacto das empresas e entidades relacionas com as comunidades e sociedades. Temas como direitos humanos, leis trabalhistas, segurança no trabalho, salários justos, diversidade de gênero, raça, etnia, crenças, proteção de dados, privacidade e satisfação dos colaboradores e clientes entram neste quesito.
Garantir um ambiente de trabalho não tóxico e buscar o engajamento para as desigualdades sociais.
G – Governance = Governança: refere-se ao atendimento os requisitos legais, políticas, processos, gestão, administração e compliance. Modelo de gestão, conselho de administração, código de conduta, transparência, práticas de auditoria, canais de ouvidoria e denúncias, políticas de combate a discriminação, assédios e corrupção são quesitos fundamentos.
Monitorar os processos e garantir o Compliance da empresa.
As pessoas e os cliente no centro das decisões: o interesse genuíno em fazer acontecer as práticas do ESG
Ao longo dos últimos anos o interesse do mercado consumidor por empresas que atendam requisitos de sustentabilidade também cresceu. Esta demanda está impulsionando os modelos de negócios das empresas.
Como responsáveis diretos pelas cadeias produtivas, as empresas estão revendo ou remodelando os seus processos de negócios e práticas operacionais para atenderem os requisitos dos clientes. Ter Cadeias de Suprimentos Sustentáveis não é só uma questão de ter a preocupação sustentável, virou uma corrida pela sobrevivência empresarial.
Por estes motivos, quis chamar a atenção para o interesse genuíno pelo tema. Ao longo dos últimos dois anos, período de maior influência da Pandemia oriunda da COVID-19, observamos diversas empresas que por terem em seu DNA organizacional as práticas de interesse real no referido tema, se sobressaíram com a imagem corporativa bastante positiva, sem precisar fazer nenhuma ação de marketing. Cuidar das pessoas, da sociedade, do meio ambiente e das práticas de governança já faziam parte do alicerce da sustentabilidade empresarial (SE) destas organizações.
Porém, vimos também empresas que de alguma forma tentaram se aproveitar do tema para se posicionarem de forma a venderem uma imagem de empresas ESG, simplesmente pela força que estas três letras estão em evidência.
Desta forma, é muito importante compreender que os impactos, causados pela pandemia, na transformação humana pode ser compreendida em alguns aspectos:
TRANSFORMAÇÃO HUMANA:
- Como Pessoas:
- O sentimento de humanidade e ser solidário cresceu. Ajudar ao próximo e promover ações solidárias.
- Como Consumidores:
- O consumo consciente (menos é mais), mudança de hábitos e comportamentos.
- Como Profissionais:
- Entendimento das novas formas de trabalho e de relacionamentos interpessoais.
- Como Líderes:
- De cuidar realmente das pessoas e conectar os objetivos das organizações com o mercado em que atua.
Essa transformação humana é que vem impulsionando as mudanças mais profundas nas empresas e nos modelos de fazer negócios. Por isso as empresas precisam entender os seus GAP´s, repensar ou remodelar os seus negócios, e colocar as pessoas e os clientes no centro das decisões, pois são estes os maiores impulsionadores das práticas ESG em nosso mundo.
A mudança de mentalidade é fundamental para que a sustentabilidade real aconteça de forma consciente e consistente.
ESG na Logística e Cadeia de Suprimentos.
A adoção de políticas e indicadores Ambientais, Sociais e de Governança está se consolidando entre as empresas dos mais diversos portes e segmentos, se tornando um padrão mundial.
Ao adotarem essas diretrizes, as companhias buscam ter uma melhor resposta frente às crescentes demandas da sociedade em relação ao papel das empresas, incluindo questões como o bem-estar de seus funcionários e maior diversidade no ambiente corporativo. Além disso, sua implementação gera maior transparência aos investidores, com a crescente constatação de que empresas aderentes a boas práticas ESG, além de conseguirem um diferencial na competição pelo mercado, conseguem gerenciar mais adequadamente seus riscos. Na área de logística e da cadeia de suprimentos, também é necessário olhar para o tema com um olhar crítico.
A logística ganhou muita importância durante a pandemia, consequentemente, mais atenção de todos os lados. A maior exigência dos consumidores, pressionando as empresas para as melhores práticas, está exigindo que os líderes adotem políticas de ESG, já que existe um grande potencial para a logística ser melhorada. Atualmente, no Brasil, grande parte da emissão de gases é feita por veículos e caminhões antigos, com baixa eficiência energética e altos níveis de poluição atmosférica. No campo social, muitas empresas de logística precisam trabalhar na inclusão social, pois atualmente não tomam ações concretas para alterar este quadro. E, por fim, a governança é provavelmente um dos maiores desafios para um setor que teve muita atividade informal ao longo das últimas décadas. É preciso reverter esse panorama para transformarmos o ecossistema em um ambiente mais sustentável e receptivo para a sociedade.
Como aplicar ESG na logística?
De forma objetiva, a gestão logística e da cadeia de suprimentos podem ser os principais caminhos para as organizações contribuírem de forma genuína para a aplicação prática dos objetivos de sustentabilidade:
AMBIENTAL:
Quanto às questões ambientais, buscar a melhoria da performance em toda a cadeia logística, desde a redução de emissão de gases poluentes liberados na atmosfera por meio do uso eficiente da frota, passando pela manutenção da frota até a adoção de carros elétricos. A simplificação da logística passa, por exemplo, pelo uso de soluções de roteirização que diminuem o tempo do caminhão em circulação. Além disso, a frota requer maior atenção, observando a idade, manutenção e eficiência energética dos caminhões. A consolidação de carga também é importante, pois gera uma menor necessidade de circulação de veículos.
II.SOCIAL:
Em relação ao aspecto social, as empresas buscam ampliar a diversidade nas empresas, dando mais oportunidades de promoção a talentos de todas as origens e perfis. É igualmente importante direcionar as atenções para o bem-estar dos funcionários, o que inclui temas como conforto e segurança do ambiente de trabalho (seja no escritório, na operação, dentro dos caminhões ou em casa), segurança psicológica, benefícios, e mecanismos adequados de comunicação com a liderança da empresa. Temas como nível de satisfação dos funcionários (via levantamento de NPS) e acompanhamento de indicadores de turnover e absenteísmo devem fazer parte da rotina das lideranças de RH.
III.GOVERNANÇA:
É muito importante ainda criar mecanismos e direcionar a cultura para práticas ESG. Por isso, as métricas de governança são tão essenciais. As companhias devem se preocupar em combater a corrupção e priorizar a ética no desenvolvimento das atividades. É absolutamente necessário operar formalmente com aderência a todas as exigências governamentais e fiscais. Tais pontos devem ser incentivados por todos os colaboradores, principalmente pela alta direção das empresas, devendo ser a base da cultura organizacional. Algumas ações que podem ser elaboradas neste sentido são, por exemplo, a criação de código de conduta e políticas anticorrupção, para orientar as atitudes dos stakeholders, com a implementação de canais de denúncia e comitê de ética para apurar eventuais ações repudiadas pelos valores da companhia, e o zelo pela integridade e exatidão dos registros contábeis e financeiros. Em paralelo, deve-se priorizar a segurança das informações pessoais dos colaboradores e clientes para evitar vazamento de dados, criando assim um ambiente seguro e transparente, de acordo com as leis aplicáveis e regras previstas no código de conduta. Tudo isso vai na direção de uma gestão cada vez mais profissional, com apoio de regras e definições claras, além de um conselho administrativo.
Gerar mais transparência, accountability e responsabilidade frente ao meio ambiente, funcionários, investidores e comunidade são compromisso que devem estar nas rotinas das empresas e na gestão logística e da cadeia de suprimentos.
Algumas Ações Estratégicas
- Reaproveitamento da água das chuvas nos centros de distribuições;
- Utilização de telhas translucidas para iluminação interna dos Centros de Distribuição;
- Uso de energia solar;
- Utilização de Frota Elétrica;
- Redução e Horas Extras;
- Foco no Bem-estar dos colaboradores;
- Programas de educação e conscientização para o consumo consciente;
- Auditorias Internas com foco em controles e processos.
Transparência é necessária
É muito comum, infelizmente, que as empresas adotem discursos politicamente corretos, porém as suas práticas não estão alinhadas com estes. Já falamos do interesse genuíno e que estes não precisam de marketing para fazer com que as empresas sejam reconhecidas pelas suas práticas.
Diante deste cenário, junto com a adoção das práticas de referência ESG também temos novos termos que denominam as empresas que não possuem práticas reais e apenas ações de marketing:
Greenwashing: pode ser definido como uma lavagem verde dada aos produtos ou até mesmo à organização, onde se veicula uma falsa imagem de preocupação ambiental, sem que esse compromisso seja necessariamente verdadeiro. Em outras palavras, o greenwashing se caracteriza na tentativa de mostrar uma imagem falsa ao consumidor quanto às práticas ambientais de uma organização ou aos benefícios de um serviço ou produto
Ser uma empresa verde não é plantar meia dúzia de arvores.
Bluewashing: acontece quando o discurso de responsabilidade social não condiz com a realidade da empresa. A definição reflete a vasta abrangência de ações possíveis, que vão desde as mais básicas, de respeito aos direitos trabalhistas, até as de aumento de representatividade e diversidade, passando por questões de transparência e compliance, até aquelas voltadas à investimentos e/ou apoios a causas sociais
Ser uma empresa azul é cuidar genuinamente das pessoas.
Portanto, precisamos estar atentos as reais práticas de sustentabilidade e não cairmos nas armadilhas ou sermos seduzidos pelas campanhas de marketing.
Compliance na Logística e Cadeia de Suprimentos
O compliance tem sido reconhecido como um elemento determinante de diferenciação competitiva, que ajuda as empresas a obter mais produtividade, credibilidade, boa imagem no mercado e ainda diminue custos ligados a sanções, por exemplo. Atender as regulamentações à risca e, mais do que isso, alinhar processos, pessoas e tecnologias para seguirem políticas e programas internos para garanti-lo: isso tem a ver com compliance, uma prática que por si só gera valor para empresas de todos os segmentos, inclusive de transporte e logística. Desta forma esta inserido na letra G do ESG.
O que é compliance?
A Associação Internacional de Compliance (ICA) define:
- Compliance é agir de acordo com uma ordem, conjunto de regras ou pedido. O termo vem do verbo em inglês to comply, que significa cumprir ou obedecer.
Nas empresas, o compliance surgiu com o objetivo de corrigir e previnir falhas na gestão de processos, falta de alinhamento às legislações aplicáveis e operações que possam acarretar alguma inconformidade à lei. O grande objetivo do compliance é garantir que a organização, suas pessoas, processos e ferramentas, estejam em conformidade com essas regras, normas, políticas e leis.
As conformidades acontecem em dois níveis:
1. Agir de acordo com as regras externas impostas à organização como um todo (por exemplo, leis estaduais, municipais, federais e específicas para cada mercado);
2. Agir de acordo com sistemas internos de controle impostos pela própria organização, visando a conformidade com as regras externas.
Funções do compliance:
As práticas de uma política ou programa de compliance têm, basicamente, cinco funções principais:
1. Identificação: detectar riscos que a empresa corre e promover aconselhamento em relação a como prosseguir;
2. Prevenção: criar e implementar mecanismos de controle para proteger a empresa dos riscos identificados;
3. Monitoramento: acompanhar a eficiência de desempenho dos mecanismos de controle;
4. Resolução: estar preparada para resolver eventuais complicações;
5. Consulta: aconselhar a empresa em relação à regras e controle.
Empresas que não compreendem a importância dessas boas práticas para o negócio e falham em incorporá-las na organização correm riscos desnecessários, que podem causar sérios prejuízos financeiros, atrasos processuais, perda de clientes e de espaço no mercado.
O compliance na logística e cadeia de suprimentos:
As operações do setor logístico e da cadeia de suprimentos envolvem a análise de dados sensíveis das empresas de que são fornecedoras e processos bastante burocráticos (seja do simples transporte interestadual até em operações mais complexas de exportações e importações).
Dentro desse contexto, o gerenciamento de dados baseado em práticas e políticas de compliance será fundamental para assegurar o bom funcionamento das operações logísticas.
É a partir do compliance que as empresas conseguem criar mecanismos de controle e ferramentas práticas para prevenir e gerenciar riscos iminentes do setor, seja origem financeira, processual ou qualidade do produto ou serviço.
Além de auxiliar no cumprimento das leis e na eficiência, as atividades de compliance também são de grande ajuda para garantir a segurança dos colaboradores envolvidos.
Muitas organizações ainda acreditam que não precisam de uma política de compliance porque já estariam em conformidade. Nem sempre isso é verdade e, normalmente, a descoberta se dá da pior maneira, quando já não é possível evitar danos ao negócio e para terceiros.
Quando se torna uma política, o compliance transforma-se em processo de valor, mais do que um conjunto de normas, políticas e regras. E desta forma o benefício para todos os envolvidos nos processos são intangíveis.
Como o compliance pode ajudar o setor de logística e a cadeia de suprimentos:
Existem diversas alternativas, para diferentes operações, que podem ser colocadas em prática quando se fala em compliance na gestão logística e da cadeia de suprimentos.
Em gestão de risco, por exemplo, os processos podem ser otimizados com a implantação de soluções de automação de coleta de dados, permitindo desta forma a realização de avaliação rápida e assertiva com segurança das informações que podem ser apresentadas de forma inteligente ao usuário.
Já em relação à logística, toda a operação deve ser analisada. É preciso identificar o Mapa de Processos Críticos (MPS) e avaliar todas os riscos em relação a informação, processo e produtos. Desde o Recebimento, passando pela Armazenagem, Separação, Expedição, Faturamento, Roteirização, Tráfego e Entrega. Os riscos estão presentes em cada etapa.
Nas etapas de Compras e Suprimentos, existem também riscos que precisam ser gerenciados e tratados de forma adequada. Desde o sigilo e confidencialidade de informações, passando por controle de dados, meios de pagamentos, tributos, entre outros.
Na etapa de distribuição e transportes, o processo precisa ser analisado desde o processo de contratação de motoristas e seus auxiliares, passando pelos processos de abastecimento de combustíveis, manutenção de frota. E com o processo de contratação de terceiros, a contratante também precisa garantir o atendimento dos requisitos legais pelos contratados, promovendo a segurança de todos.
Considerações Finais
No mundo atual, assumir compromissos com as boas práticas de ESG não é um diferencial, é um requisito obrigatório. As responsabilidades das empresas com o mercado, clientes, pessoas, sociedade e meio ambiente precisam ser primeiramente de interesse genuíno. Boas práticas demonstram que, além do bem geral proporcionado pelas empresas que praticam de forma real, os resultados econômicos-financeiros destas empresas são bem maiores das que não praticam, além do retorno de imagem ser naturalmente mais positivo.
Por tanto, ESG e Logística podem e devem caminhar juntos nas estratégias empresariais, fortalecendo a relação das empresas com as pessoas e clientes, aliadas as práticas de governança corporativa e a responsabilidade social e ambiental.
Referências
O Futuro da Logístico e do Supply Chain. Felipe Trigueiro;
Gestão do Amanhã. Sandro Magaldi e José Salibe Neto. Ed. Gente;
Futuro S/A. Andre Souza;
Empresas Feitas para Vencer. Jim Collins. HSM;
Transformação Radical. Pedro Waengertner, Sulivan Santiago e Victor Navarreta. Ed. Gente.
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